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domingo, 17 de janeiro de 2010

Cacau orgânico


Produzir cacau numa lavoura rústica, à sombra das árvores da floresta atlântica e sem usar agrotóxico. Esse é o sistema praticado por agricultores do sul da Bahia, que adotaram o manejo orgânico. Ao longo dos séculos, o fruto colorido se tornou um dos símbolos do sul da Bahia. Originário da Amazônia, o cacau chegou à Bahia há mais de 250 anos. Com o tempo, o cultivo ganhou espaço e virou o motor econômico da região.
Mas no final dos anos 1980 o cenário se transforma. Problemas no clima e preços baixos no mercado internacional atingem em cheio os fazendeiros. A situação se complica de vez com a chegada da vassoura de bruxa, um fungo agressivo que derruba a produtividade das lavouras. A crise econômica também provocou mudanças na paisagem da região. Endividados e sem perspectiva, muitos agricultores foram desistindo da atividade. Aí surgiram áreas degradadas, fazendas abandonadas e instalações em ruínas. Boa parte das velhas plantações de cacau acabou se transformando em pasto.
Foi nesse contexto que um grupo de agricultores resolveu apostar num mercado alternativo. A ideia era conquistar compradores com um cacau de qualidade e com apelo ecológico. No ano 2000, foi fundada a Cooperativa dos Produtores Orgânicos do sul da Bahia. Atualmente, a entidade conta com 40 cooperados, como o suíço Mark Nüscheler, que vive há 25 anos na região e é o atual presidente da cooperativa.
“A gente não trabalha só esse lado do manejo orgânico, a gente trabalha também a qualidade do cacau. Isso te abre nichos e preços mais altos", disse o cooperado.A amêndoa dos produtores é vendida pela cooperativa para clientes do Brasil e do exterior. Todas as fazendas têm selo orgânico do Instituto Biodinâmico, uma certificadora reputada, com sede em São Paulo.
Fernando Botelho produz cacau orgânico certificado há seis anos. Ele nos recebe na sua propriedade, no município de Barro Preto. É uma dessas fazendas antigas, com construções tradicionais. Aliás, a família da esposa dele cultiva cacau há séculos.Segundo o Fernando, todo o cacau orgânico da fazenda é cultivado no ambiente tradicional da região, conhecido como cabruca. Os cacaueiros ficam embaixo das árvores nativas.
No andar de cima, jequitibá, pau d'arco, gameleira. Embaixo, os cacaueiros nem sempre obedecem a um espaçamento rígido. Na média, uma lavoura dessas abriga cerca de 800 pés por hectare. Seu Fernando lembra que esse cultivo sombreado, o cacau cabruca, domina a região desde o século XVIII.“Os pioneiros chegaram na região e viram essa Mata Atlântica. Então, eles resolveram implantar o cacau na mata. Eles ralearam, quer dizer, brocaram. Do termo brocar ficou o nome de cabruca", conta.
Uma das riquezas do ambiente é a qualidade do solo. "Olha só quanta matéria orgânica tem. Isso tudo é decomposição de folhas. Tudo o que cai aqui vai se decompondo. Qual é a cultura que não gosta desse tipo de solo?", pergunta. Para receber a certificação orgânica, o produtor deve cumprir uma série de exigências. Não pode usar veneno contra praga nem herbicida ou fungicida. Adubação química com NPK também é proibida. Para enriquecer ainda mais o solo, de tempos em tempos, seu Fernando espalha um pouco de pó de rocha, um produto natural, rico em fósforo e micro-nutrientes.
Outra medida é pulverizar os cacaueiros com um fertilizante orgânico. É feito na própria fazenda e contém esterco, melaço, pó de rocha e outros ingredientes que reforçam a saúde das fruteiras. As plantas mais saudáveis enfrentam melhor o principal inimigo do cultivo: a vassoura de bruxa, que continua presente na região, reduzindo a produtividade das árvores.
Para reduzir a contaminação no cultivo, sem usar fungicida, os trabalhadores da fazenda retiram regularmente todos os focos de vassoura de bruxa das copas das árvores. Ao longo do ano, uma lavoura de cacau rende duas colheitas. A primeira vai de março a junho, e a segunda, mais importante, de setembro a novembro. Quando maduros, os frutos ficam bem amarelos e algumas variedades puxam para o roxo ou vermelho.
Enquanto uma turma vai cortando e recolhendo, outro grupo já começa a fazer a seleção. Para um lado, vão os frutos atacados pela vassoura de bruxa e, para o outro, os produtos sadios.A seleção é importante, pois o cacau livre de doença tem amêndoas de qualidade superior e pode ser vendido para compradores exigentes, que pagam mais caro. Já as amêndoas de frutos contaminados vão ser negociadas no mercado convencional. Em seguida, os trabalhadores partem os frutos, retiram o miolo e descartam a casca.
Terminado o serviço de campo, começa outra etapa importante do projeto. Incentivados pela cooperativa, muitos dos produtores já começaram a investir em derivados do cacau orgânico. A ideia é conquistar novas fontes de renda e não depender só das amêndoas.O agricultor Fernando Botelho montou uma beneficiadora. Ela conta com despolpadeira e com equipamento para embalar a polpa. Em uma sala, em grandes tachos, dona Áurea, mulher de seu Fernando, comanda a produção da geleia de cacau. Além disso, o casal já está testando outros produtos como bombons caseiros e amêndoas caramelizadas, tudo orgânico.
A venda de derivados, como geleia ou polpa, ocorre em pequena escala. Na prática, a principal fonte de renda dos cooperados continua sendo a velha e boa amêndoa de cacau. Patrick Labarrere nasceu e cresceu no sudoeste na França. Só que quando foi para a Bahia, nos anos 80, não quis mais saber de voltar. Num sítio pequeno, no município de Una, ele cultiva 38 hectares de cacau orgânico.
Basta um giro para perceber que a lavoura é cuidada com capricho. Os cacaueiros são bonitos, carregados. Para segurar a vassoura de bruxa, Patrick faz a poda regular das partes infestadas e, nos últimos anos, foi substituindo as árvores velhas por variedades tolerantes ao fungo. Algumas dessas variedades são o resultado de uma seleção feita por ele mesmo no sítio. O resultado desse trabalho fica claro com os dados de produtividade. Atualmente, Patrick já consegue colher 45 arrobas de amêndoas por hectare por ano. É o triplo da produção média da região.
Saindo da lavoura, o cacau é levado para um lugar protegido. Amêndoas e polpa são despejadas em grandes cochos de madeira e cobertas com folhas. A polpa, rica em açúcares, vai fermentar durante uma semana. Nesse processo, a temperatura sobe bastante e, com o calor, as amêndoas passam por uma espécie de cozimento. Vão ficando mais escuras, macias, o que é excelente para a qualidade do chocolate. Ao longo da fermentação, a polpa do cacau vai se desfazendo nos cochos. Terminada essa etapa, chega a hora da secagem final.
As amêndoas da fazenda têm tido saída constante e garantida. Os principais compradores são fabricantes de chocolate tanto do Brasil quanto do exterior. “A diferença de preço em relação ao mercado tradicional pode chegar a 40% ou 50%. É uma boa valorização do produto, compensa. Tudo nasce com a filosofia, mas no final se torna um bom negócio", diz Patrick.
Com o trabalho de produtores como Patrick, o cacau orgânico se consolidou como fonte de renda para várias de fazendas. Além de vender a matéria prima para chocolateiros finos, a cooperativa já começou a negociar os seus produtos com a indústria de cosméticos e quer abrir novos mercados para os derivados de cacau.


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